quarta-feira, 20 de maio de 2009

Batom


Antes do telefonema, ela passou batom.

- Alô! Queria avisar que minha patroa é exigente, rica e vai fazer compras aí hoje.

Sem nem ao menos mudar o tom da voz, ela desligou confiante.

No taxi, acendeu um cigarro.

- Não pode fumar aqui, dona!

"Foda-se". Ela tragou tudo, com cara de paisagem, até o filtro. No destino final, esperou pelo troco.

- Posso ajudar?

"Meus Deus! Será que ninguém entende o que eu digo?", pensou obscura.

- Sou Kelly Tranchesi, meu bem.

A loja já estava inundada por roupas e arrogância, quando ela escolheu treze peças. Na hora de se dirigir ao caixa, passou mais batom.

- Aceita nota fiscal paulista?

Transação aprovada. Beijo me liga!

- Taxi!

Uma hora depois, a vendedora ainda arrumava as roupas preteridas pela rica sobrinha da dona da Daslu.

- Vaca! Quem ela pensa que é? – insistia, opaca, a vendedora.
Se ela soubesse que a vaca, na verdade, não era ninguém, teria ficado com mais raiva ainda. O mundo escreve certo por linhas tortas. Na próxima transação, quem sabe, o cartão já esteja bloqueado. Mas Kelly era instintiva o suficiente. Não repetia armas nem artimanhas.

- Itaim Bibi, por favor! Moço, você tem isqueiro?